QUEM TEM MEDO DA “PÍLULA ANTICÂNCER”?
A luta de pacientes com câncer ganhou força recentemente com a notícia de uma pílula que supostamente combate e até mesmo cura a doença. Trata-se da “fosfoetanolamina sintética”, uma substância desenvolvida há mais de 20 anos por pesquisadores do Instituto de Química de São Carlos (IQSC), da USP.
Mas, ao contrário do que se poderia supor, a (boa?) notícia tem se transformado em um peso a mais para muitos que enfrentam a árdua batalha contra o câncer. Isto porque a fosfoetanolamina não tem registro na Anvisa, o que significa que não foram realizados os testes clínicos necessários para comprovar a sua eficácia e, desta forma, a substância não pode ser considerada um medicamento.
Na prática, isto quer dizer que a fosfoetanolamina não pode ser comprada nas farmácias, não tem bula com orientações sobre eventuais reações adversas e, pior: atualmente a pílula só é obtida mediante liminar judicial — e mesmo assim é preciso entrar na fila de espera pela substância.
Procurada pela reportagem do Opinião e Notícia, a Anvisa reiterou sua posição oficial, afirmando que “antes de qualquer medicamento ser disponibilizado para uso no Brasil, é necessária a avaliação de ensaios clínicos. Essa análise tem por finalidade atestar a eficácia e a segurança do produto que será registrado como medicamento no país”.
Ainda de acordo com a Anvisa, no caso da fosfoetanolamina, a agência “não recebeu qualquer pedido de avaliação para registro desta substância, tampouco pedido de pesquisa clínica, que é a avaliação com pacientes humanos. Isto significa que não há nenhuma avaliação de segurança e eficácia do produto realizada com o rigor necessário para a sua validação como medicamento”.
Em entrevista ao Opinião e Notícia, o médico oncologista Rodrigo Leijoto ressalta que a fosfoetanolamina é uma substância que foi testada mesmo apenas em ratos: “ainda não temos um estudo completo, com todas as fases necessárias, para determinar sua eficácia e, principalmente, se ela é segura. Não sabemos se ao invés de ajudar, estamos colocando em risco a vida dos pacientes”.
Apesar de inúmeros relatos de pacientes que se dizem até mesmo curados após iniciarem um tratamento experimental com a fosfoetanolamina, Leijoto diz que acha “difícil uma substância ser eficaz contra todos os tipos de câncer”. Ainda de acordo com o oncologista, “a cada dia temos mais certeza de que dentro de um mesmo tipo de neoplasia, cada paciente reage de uma maneira. Podemos utilizar o exemplo de duas pacientes com câncer de mama com as mesmas características e com comportamentos completamente diferentes. Mesmo com o mesmo tratamento terão respostas diferentes. A biologia é diferente. Cada vez mais os tratamentos são personalizados e tentamos ter um alvo específico para cada paciente, para cada célula”.
Em uma audiência pública no Senado, o principal pesquisador da suposta “pílula anticâncer”, o professor de Química aposentado Gilberto Chierice, afirmou, no entanto, que a fosfoetanolamina foi sim testada em humanos. O teste teria sido realizado pelo Hospital Amaral Carvalho, de Jaú, no interior paulista, seguindo regras do Ministério da Saúde, quando a Anvisa ainda não existia.
Chiriece disse ainda que os documentos que comprovam a pesquisa estariam com o hospital. Procurados por uma reportagem do Portal Uol, o hospital e o ministério afirmaram, por sua vez, que desconhecem qualquer teste clínico com a substância.
Em uma tentativa de solucionar a polêmica, o Ministério da Saúde criou um grupo de trabalho para apoiar os estudos clínicos da fosfoetanolamina, a fim de verificar se ela “é ou não eficaz e por fim a essa celeuma”. A pasta recomenda, entretanto, que os pacientes não utilizem a substância “até que os estudos sejam concluídos”.
Em nota, a USP afirmou que a “fosfoetanolamina foi estudada de forma independente pelo Professor Doutor Gilberto Orivaldo Chierice” e que “chegou ao conhecimento do IQSC que algumas pessoas tiveram acesso à fosfoetanolamina produzida pelo citado docente (e por ele doada, em ato oriundo de decisão pessoal) e a utilizaram para fins medicamentosos”. A produção da substância, que era distribuída gratuitamente por Chierice e sua equipe, no entanto, foi interrompida no ano passado em virtude do que dispõe a legislação federal sobre drogas com a finalidade medicamentosa.
Mas centenas de pessoas conseguiram na Justiça liminares obrigando a universidade a continuar distribuindo a fosfoetanolamina sintética. Apesar disso, o Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo autuou, no último dia 28, o IQSC pela produção da substância.
Em meio a toda esta confusão estão os pacientes e seus familiares, muitas vezes em busca de um milagre para um estágio já avançado de câncer. Alguns estão deixando os tratamentos convencionais de lado, substituindo-os pela ingestão da fosfoetanolamina. Para o oncologista Rodrigo Leijoto, a postura destas pessoas é equivocada: “acho muito arriscado e perigoso, pois temos um tempo precioso para realizar o tratamento, e se perdermos o tempo certo o paciente pode ter perdido a oportunidade de aumentar seu tempo de vida ou até ficar livre da doença”.
Em entrevista ao portal G1, o pesquisador Gilberto Chierice explicou que, com a ingestão das cápsulas de fosfoetanolamina, as células cancerosas são mortas e o tumor desaparece entre seis e oito meses de tratamento. O pesquisador ressalta, entretanto, que o período pode variar de acordo com cada sistema imunológico.
Na última quinta-feira, dia 05 de novembro, Chierice afirmou à GloboNews que mais de 40 mil pessoas já tomaram a fosfoetanolamina e muitas ficaram curadas. Ainda de acordo com o pesquisador, alguns médicos que se recusam a indicar a substância aos seus pacientes já o procuraram após terem familiares com o diagnóstico de câncer.
Também em entrevista à GloboNews, Gustavo Fernandes, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia, destacou que dezenas de moléculas promissoras não se comprovaram como medicamentos, por isso a necessidade de cumprir todos os procedimentos oficiais para atestar a segurança e a eficácia da fosfoetanolamina.
Há quem acredite em um complô do setor farmacêutico para encobertar a descoberta da cura do câncer, uma vez que cada cápsula de fosfoetanolamina é produzida por menos de R$ 0,10. Há, por outro lado, quem acredite em oportunismo dos pesquisadores envolvidos. Há quem condene a criação do mito de uma droga milagrosa. Há ainda quem fale em efeito placebo, em que a esperança na substância traz efeitos positivos. Há também quem diga que qualquer relato de melhora por causa da substância deve ser visto apenas como uma percepção e nada mais. Há, enfim, pessoas que querem ter o direito de tentar. Podemos negar?
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